quarta-feira, 19 de junho de 2013

Além do Pão e do Circo


 
[Foto: Pensador Profundo, o supercomputador ficcional do livro/filme O Guia do Mochileiro das Galáxias, projetado para responder à pergunta fundamental sobre a razão da vida, do universo, e tudo mais. Na foto, o referido cérebro eletrônico se encontra vendo desenho animado... Mas bem que poderia ser uma novela da Globo...]



- Nossa, quanto barulho na rua! E justo na hora da minha novela!!! 
   Deixa ver...

E assim, acorda mais um brasileiro para o óbvio. Pagamos o preço de sermos o país do futebol, do carnaval, e das novelas globais, estas últimas já sem graça. O governo segue rigorosamente a máxima romana do "panem et circenses" (pão e circo) e, mais uma vez, subestima a voz da classe média, desta vez reverberada nos megafones das redes sociais, blogues e afins.

O fato é que estamos fartos. Não do pão, ou do circo romanesco dos duelos futebolísticos. Estamos fartos do show de improbidade administrativa e, acima de tudo, de impunidade. Impunidade que se consolida na aprovação de medidas absolutamente infiéis à democracia e ao estado de Direito, como a impossibilidade de investigação dos atos de improbidade e corrupção por parte de órgãos como o Ministério Público, ou a submissão de decisões judiciais ao crivo do Congresso, entre outras aberrações. Além disso, até o direito de protesto está ameaçado, por tentativas de manobras legais no sentido de confundi-lo com "terrorismo". Os vinte centavos de aumento das passagens do ônibus ou metrô, que poderiam se traduzir talvez em 422,40 reais gastos a mais, anualmente, com condução, por família  e em média, foram apenas a gota d'água. Mas sozinhos já seriam um bom motivo.

O problema é que a má notícia nunca vem sozinha. Nosso país tem carga tributária maior que a da Bélgica, a qual tem estádios de primeiro mundo como o Rei Baudoin, mesmo sem nunca ter sediado ou ganhado uma Copa do Mundo. Aquele país também tem os melhores hospitais do mundo, e todos são públicos. É só saber onde e como aplicar os impostos. Como em qualquer país em cujo governo haja um mínimo de sensatez, os circos lá crescem e evoluem a reboque de outros serviços um pouquinho mais essenciais como hospitais e escolas, por exemplo.

O importante é que os príncipes daqui percebam que não estamos parados. Nao se trata de um protesto de burguesinhos do Facebook tentando reivindicar o irreivindicável. Trata-se de uma demonstração de força. Em que pese as reclamações de que as manifestações não têm foco, ou liderança, ou que sejam apolíticas; melhor que seja assim. À nação importa fazer saber ao governo que há uma insatisfação geral quanto à sua forma de conduzir a sociedade, gerando leis que perpetuem o autoritarismo, engessem a liberdade de expressão e manifestação e, de quebra, perpetuem a indústria da corrupção. Vamos acordar e dar um basta nisso. Aos incomodados, pedimos desculpas pelos transtornos. Mas nessa obra de mudar o Brasil, não vai ter quinze por cento.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Pílula Vermelha ou Azul?


[na figura: pílulas vermelha e azul]



Na trilogia cinematográfica Matrix (1999), em seu primeiro filme, o protagonista é apresentado a um par de pílulas: uma azul e a outra, vermelha. A pílula azul lhe permitiria continuar vivendo a sua vida normalmente, como um sonho. A vermelha serviria para lhe mostrar a real natureza da Matrix. E o que é a Matrix? Assistam o filme. Basta o primeiro da série. (E não, Matrix nao é um "filme de luta".)

No serviço público, em algum ponto da nossa carreira, eventualmente somos apresentados a essas duas pílulas. A pílula vermelha pode vir em forma de um projeto interessante, inovador. Algo que demande trabalho, enfim. Viagens intermináveis, menos contato com a família e mais tempo para se dedicar à res publica. A este ponto, é chegada a hora de dizermos sim ou não a ela.

Quando dizemos sim à pílula vermelha, é como se tomássemos pé da realidade como ela é. Descobrimos que temos de trabalhar com prazos, metas, qualidade. O grau de eficiência esperado é semelhante e muitas vezes maior que o da iniciativa privada, com bem menos recursos, e com a agravante de que podemos responder administrativamente, e até mesmo judicialmente, por nossos erros, intencionais ou não. E se o projeto não sair? Ou se sair a um prazo e custo inviáveis? Na iniciativa privada isso é resolvido com uma canetada e um bilhete azul. Vão em paz, em busca de novos desafios. No serviço público, em vez disso, as coisas são resolvidas na temível Corregedoria. Não apenas podem perder o emprego os que pilotam mal suas naves; podem, da mesma forma, amargar cadeia.

Não podemos errar; a pílula vermelha não nos dá feriados, finais de semana. Ela nos dá um objetivo e um sonho. Objetivo de cumprir nossas tarefas a contento, e o sonho de, com isso, construir um serviço público e um País melhor.

E se tomarmos a pílula azul? Aí tudo bem. Exercemos nossas atividades das nove às dezoito, com tempo e pausa para o café. O salário, depositado religiosamente no mesmo dia de todo mês, nos dá a certeza de que trabalhamos em uma empresa que, como supomos, sempre existirá, e prosperará, a despeito do que fizermos ou deixarmos de fazer por ela. Servos inúteis, não fazemos mais que a obrigação, sem ter ideia do sofrimento dos que fazem muito mais do que ela. Nossa escolha, é sempre fazer nada, sendo "nada" definido como "o suficiente" para que tudo corra bem e que o indivíduo possa ir para casa pensando em nada além do jogo do Flamengo, ou do jantar com a esposa.

À semelhança do filme, no serviço público os "pílula azul", além de seres essencialmente dormentes, são potenciais opositores de tudo aquilo que os "pílula vermelha" vierem a fazer. Vistos como subversivos e anarquistas, freqüentemente os "pílula vermelha" são rechaçados pelos pílula azul, com o espírito reacionário, leviano e intrigueiro que os permeia. E é essa a luta, por um Serviço público Melhor. 

E mãos à obra. Há muito trabalho a fazer, Morpheus.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Presente de Grego


[Foto: Cavalo lendário utilizado pelos gregos para conquistar a cidade de Troia]

A generosidade mundial para com o povo brasileiro é algo que me impressiona, e me deixa muito satisfeito. Os presentes vão desde iPad's do modelo mais simples, até computadores de última geração, entre outros. Passageiros chegam, todos os dias, entulhados de produtos de grande valor, todos eles "dados" por seus parentes, amigos, e familiares no exterior. Até mesmo quem viajou sozinho, por pacote turístico, acaba tendo a sorte de receber um desses "presentes", acredito eu, por gente que conheceu lá.

O que lamento é nunca ter tido essa mesma sorte, mesmo já tendo dado algumas voltinhas pelo planeta. Talvez eu precise andar mais bonito e atraente, quem sabe. Questões estéticas à parte, a verdade é que os supostos "presentes", dados ou não, estão sujeitos à mesma regra tributária aplicada a toda a bagagem. Em uma situação eminentemente prática, o passageiro chega e me deparo com o a seguinte frase feita:

- Mas senhor, este equipamento eu não comprei, eu ganhei!

Nem avanço na questão. Tenho um colega que costuma responder assim: "achado na rua também paga imposto". Mas acho um tanto rude.  Prefiro fazer vistas grossas. Não à bagagem, claro, mas à situação descrita pelo viajante. Até mesmo porque, naquele instante, ela não importa muito. Presentes são tributáveis, senhor - simplifico.

O tratamento para bens doados, segundo o Regulamento Aduaneiro, isenta parte do imposto sobre bens destinados a instituições de cunho científico ou filantrópico (com "f"), devidamente registrados no Brasil. Também há previsão legal para obras de arte destinadas a museus, entre outros casos. Na maioria deles, a isenção não é total. 

Nenhum desses, porém, é o caso dos nossos sortudos passageiros, que buscam "seta verde" sobre suas generosas prendas. Ao funcionário de plantão compete fazer a corriqueira valoração aduaneira, na ausência de documentação comprobatória do valor de aquisição dos bens, o qual se perde na hora do embrulho. Justificadamente, afinal ninguém quer um presente com preço. Então não resta outra alternativa senão a valoração, que é uma estimativa de valor do bem, o qual por sua vez se destina a servir de base de cálculo para os impostos devidos.

Resta-nos, então, informar ao passageiro que a mercadoria precisa ser nacionalizada e que são devidos os tributos para ingresso dos bens no País. Em muitos casos, também é aplicada multa, pois o passageiro não havia optado pelo canal "Bens a Declarar", quando do seu ingresso na Alfândega.

Neste ponto, muitos "surtam". Ah, isso é absurdo, cobrar imposto sobre algo que eu ganhei! Xingam, brigam. Tento, o mais fielmente possível, fazer meu papel de pacificar e esperar. É um momento em que a cera nos ouvidos ajuda muito. A ação do Estado, como sabemos, contraria interesses individuais. São ossos do ofício. É importante que o passageiro se conforme com a situação e passe a colaborar. Geralmente, a calmaria só tem lugar após o pagamento da guia.

Nesse final, alguns deles chegam a xingar o suposto presenteador, o qual, real ou fictício, agora se vê em maus lençóis, no que diz respeito à amizade que mantinha com o passageiro. Pessoalmente, acho que isso tem um quê de ingratidão. 

Mas a verdade é que, sabendo das implicações do ingresso do bem no país, o passageiro imagina ter recebido um belo Presente de Grego.

É isso aí. Boa quarta-feira a todos.




terça-feira, 11 de setembro de 2012

Isso São Outros Quinhentos

  [Na foto: Uma mala minúscula, simbolizando a insatisfação geral com a cota de isenção]

Ou: A origem do limite de isenção


Bom, vejamos. A cota de isenção de tributos sobre a bagagem acompanhada, definida atualmente pela IN (Instrução Normativa) RFB 1059, de outubro de 2010, é de quinhentos dólares americanos. Isso dá pra comprar umas roupinhas, perfumes e uns relógios mais baratinhos, até encher meia mala, das pequenas. Ou, se o passageiro preferir, um iPad dos mais fraquinhos. Os gostos variam, mas a verdade é que todo mundo reclama da cota e ninguém - ou quase ninguém - se mantém dentro dela, no que diz respeito às suas compras. A esses - e a todos os outros - recomendo a atenta leitura da referida IN.

Aí a coisa complica um pouco. Há quem fale nos bens "de uso pessoal".  Antes da IN 1059 eu tinha que convencer o passageiro de que um notebook, comprado na véspera da volta e cheio de adesivos pra disfarçar, não era um bem "de uso pessoal" pelo simples fato de não ter sido usado mais que o botão de liga-desliga. Agora, a IN diz expressamente que os equipamentos de computação, entre outros, não se enquadram nesse conceito, mesmo os mais surradinhos. Ou seja, se não tiver nota fiscal (brasileira) ou documento de regular importação, fica mesmo - até que o passageiro providencie um desses, ou na sua ausência, que pague o imposto. Pessoal mesmo, fora aquilo que viajou do seu guarda roupa até a mala, só mesmo seu telefone celular, sua máquina fotográfica (com  uma lente), e seu relógio de pulso. Usou, não tem imposto. O resto está dentro dos quinhentos dólares do limite de isenção - ou fora, se o limite for ultrapassado.

O outro nó cego eram as tais "Declarações de Saída Temporária - DST's" que a referida Instrução Normativa tratou de erradicar. Esses papeizinhos oblongos, que atendem por esse sigla feia, começaram a servir a um propósito mais feio ainda. A ideia inicial era cadastrar bens levados na saída, pelo viajante, e verificá-los na reentrada do país, com a finalidade de não serem incluídos na cota de US$500. Porém, muitas vezes, equipamentos trazidos de maneira ilegal ao país eram "legalizados" pelo simples preenchimento delas, com a assinatura e complacência de uma impotente "Autoridade Aduaneira", que era o nome pomposo dado, por aqueles documentos, ao sonolento funcionário que os verificava e carimbava,  Contrariando meus superiores, eu não atestava DST's que incluíssem bens de valor superior a US$ 500,00, sem a apresentação da nota fiscal. Até que veio a IN e aí deixei de ser um rebelde - agora as DST's não existem mais, o que significa que não perdemos mais nosso tempo carimbando nem verificando aqueles papeizinhos compridos. Muitos deles ainda circulam por aí, a despeito de não servirem para mais nada.

A IN 1059 não traz novidade nenhuma quanto à cota de isenção - Ela reedita uma norma de 1996, que reedita outra de 1991, e o mesmo valor está mantido há mais de vinte anos. A verdade é que a cota de isenção não é um direito e sim uma liberalidade fiscal. Abre-se mão de uma parte das receitas, por questão de conforto e comodidade. Não que eu concorde, mas a ideia é essa. A ideia é que ninguém precisa ir até o exterior para comprar produtos que podem ser adquiridos na loja da esquina. Bem mais caros, é verdade, mas assim fazem os simples mortais que não têm condições de fazer uma viagem internacional. À classe média alta, que assim pode fazê-lo, faz muito bem também em pagar o imposto. Assim, pobres e ricos são tratados por igual. 

Eu não concordo, nem discordo. Esse é um jeito de pensar que foi definido pelas autoridades lá em cima. Não tem jeito: assuntos de isenção têm que ser tratados com isenção.  Se passam por mim reclamando da pequena cota de isenção, apenas digo que estou aqui para fazê-la cumprir. Reduzi-la ou aumentá-la, não é minha área.

- Aí são outros quinhentos.

Bom dia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Apenas Zelo, Senhor!

[Foto: Uma calculadora, para lembrar que não existem contas "excessivamente exatas"]






Paulo Navarro e a Loura da Alfândega

Aqui segue um comentário a respeito do texto do colunista Paulo Navarro sobre os procedimentos de uma certa Alfândega real, que não é a Alfândega do Fim do Mundo, mas serve de base e inspiração para os textos aqui postados.

O texto é esse:

http://www.paulonavarro.com.br/2,4,20,1460/detalhe/navarro-sabado-4-de-fevereiro-de-2012.aspx

Minha resposta é essa:

Senhor Navarro, não posso falar pela Alfândega do Aeroporto de Confins. No entanto, posso falar do meu próprio trabalho, e do trabalho da ilustre colega que, em meus textos, codinomeio Adriana. Então, seguem minhas considerações a esse respeito.

Sobre o "Excesso de Zelo"

Esse termo faz tanto sentido quanto falar de "excesso de respeito", ou "excesso de precisão", por exemplo.
O ilustre senhor, como colunista, recebe um salário. O salario é devido ao ato de escrever uma, duas, ou três dezenas de artigos por mês, conforme o contrato que o senhor tem com o seu jornal. Vamos assumir que o seu salário é, por exemplo, R$ 1.000. Ora, se o pessoal do setor de pagamentos do jornal, ao final do mês, resolve lhe pagar R$ 700, sem motivo aparente, isso evidentemente é falta de zelo da parte deles. O senhor vir a cobrar-lhes o que é de direito, obviamente, não é excesso de zelo. É apenas zelo. Entendeu? Da mesma forma, o jornal lhe pagar, por descuido, R$ 1.300, seria igualmente falta de zelo. O senhor não devolver a quantia paga a mais, nesse caso, seria uma igual falta de zelo da sua parte. Porém, se a devolver, aí sim, será zeloso (e não "excessivamente zeloso") para com o jornal. É assim que trabalhamos, portanto. Assim como o salário é pelo trabalho, o imposto é pelo ingresso do bem, conforme seu valor. Sem falta de zelo, se assim o quiser, mas nunca com excesso dele, uma vez que tal coisa não faz sentido.

Perua versus peruas

Segundo a lei atualmente em vigor, existe um limite de isenção de US$ 500 para compras que os passageiros trazem do exterior, via aérea. Ora, se alguém trouxer uma bolsa Luis Vuitton de US$ 4.000, obviamente, terá de pagar imposto sobre os US$ 3500 que excederam a cota. E, para tanto, nada melhor que alguém que sabe distinguir uma bolsa Louis Vuitton verdadeira de uma falsificação barata. Assim, nossa perua está lá para zelar pela lei que alguma passageira ou passageiro, perua ou não, eventualmente venha a tentar transgredir.
[A propósito, falsificações têm sua importação proibida, segundo a mesma lei. Lei que não temos poder para modificar diretamente, mas para cujo autor existe um punhado de gente (que inclui a mim e a você) que tem poder para colocar e tirar do poder, mediante o voto.]

Conhecimento versus esnobação

Caro senhor. Se eu comprar um computador iMac, por exemplo, o lojista me informa que se trata de um iMac, eu pago por um iMac e pego o recibo de um iMac. Se eu digo ao fiscal que se trata de um monitor branquelo gigante de 27 polegadas, quem está tentando esnobar quem? Se o fiscal retruca dizendo que se trata de um computador pessoal da empresa americana Apple, onde ele está esnobando conhecimento? Em dizer algo que o passageiro já sabia e "esqueceu", no exato instante em que passava pela aduana? Caro senhor, sou formado em Ciência da Computação e trabalho na área há cerca de 25 anos. Se consigo distinguir um computador de outro, por inspeção visual, isso é apenas parte do meu trabalho. Se ele estiver queimado, posso distingui-lo pelo cheiro. No caso da colega Adriana, formada pela universidade da moda, o mesmo vale para perfumes, ou lençóis de trezentos ou quinhentos fios. Sem esnobação. Mais uma vez, apenas zelo. Nosso trabalho é assim: uns ajudam os outros, conforme a especialidade. E o passageiro cumpridor da lei sai ganhando, pois ele não passa nenhum tipo de "pesadelo". Pesadelo passa quem sonega imposto, assim como quem não paga suas contas em dia.

Talvez ainda haja uma parte da elite que se julga acima da lei. A essa elite, só tenho a dizer que aqui, fazemos cumprir a lei, para os ricos e para os pobres, com absoluta imparcialidade [E não "excesso de imparcialidade".]

Só para constar, um número cada vez maior de passageiros opta por desembarcar em Confins, conforme estatísticas da Infraero. Um número cada vez crescente de passageiros honestos e zelosos, e por quem temos um grande respeito e tratamos com absoluta cordialidade. [E não "excesso de respeito" ou "excesso de cordialidade".]

É isso aí.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Novo Blog

Na montagem grotesca acima, uma cacimba acoplada a um poço quântico.



Pessoal,

Dada a minha evidente esterilidade para conceber novos textos aqui, resolvi criar um outro blog, o Cacimba Quântica. Mais informal, e não preso a um único recinto, deve me dar mais liberdade para falar de mim mesmo, expor minhas ideias e visão de mundo. Espero que possam achar alguma coisa de interessante lá.

O Alfândega continua à espera de que sarem a minha esterilidade e paralisia digital, para que eu possa postar textos aqui com mais frequência. Histórias não faltam, embora eu já tenha saído dos plantões e esteja trabalhando em uma outra área da repartição.

Abraços a todos!

domingo, 4 de julho de 2010

Perguntas Padrão. Respostas, Nem Tanto...

[foto: passaporte americano, aos pés de uma jovem cidadã]


Numa Alfândega, estamos dispostos a perguntar sempre. E as perguntas podem ser as mais indiscretas possíveis. Paciência, é a lei que manda. É mediante as perguntas certas que conseguimos identificar a situação de um passageiro que ingressa no País e seus direitos. Assim, evitamos injustiças, tais como a tributação dos bens pessoais de um passageiro em mudança definitiva ou ingresso temporário, por exemplo. Então, temos sempre um leque de perguntas padrão a fazer.

As respostas, porém, é que podem ser as mais inusitadas, maliciosas ou até ameaçadoras. Tudo depende do tipo de gente que vem passar as malas por aqui, bem como do humor em que estão. Vou dar um exemplo. Uma pergunta muito comum é:

- Há quanto tempo você está nos Estados Unidos?

Se essa pergunta encontra um brasileiro residente nos EUA, a resposta varia conforme o sexo do passageiro:

- Eu moro lá. (Homens)

- Eu mooooooro nos Estaaaaados Uniiiidooossss!!! (Mulheres)

E o porquê de uma resposta com todas as vogais longas? Não tenho ideia. Talvez o espírito de competição, inerente às mulheres, as faça ostentar a cidadania como quem exibe uma joia ou uma arma. Isso deve explicar o tom da resposta, que tem um quê de esnobe e soa até levemente ameaçador. Parabéns, cidadã americana. Porém, lamento informar que você está no Brasil. De agora em diante, são as leis daqui que terá de cumprir, o tempo todo, até que resolva ir embora. Senão leva uma multa, ou vai em cana, dependendo do que aprontar.

Mas não é essa a resposta que dou. Simplesmente repito a pergunta...

- Há quanto tempo, senhora, está nos EUA? Desde que nasceu?

- Não. Moro lá há vinte e dois anos. Mas sou cidadã americana!

Peço o passaporte. Geralmente, a maioria das cidadãs valadarense-americanas cai em si neste ponto. Algumas, no entanto, insistem em balançar a cadernetinha azul-marinho, com a águia estampada na capa. Prossigo, na minha luta incansável para informar a elas próprias onde estão.

- A senhora por acaso está ilegal no país? - Pergunto com um ar ingênuo, folheando o passaporte americano da moça.

- Ilegal? Como assim? Impossível! Como o senhor pode afirmar um absurdo desses? Eu sou cidadã americana! - Esperneia a cortesã, como se o cobiçado título a salvasse de todos os perigos e a inocentasse de todos os pecados.

- Não estou afirmando nada, apenas perguntei. Acontece que este seu passaporte não tem visto. Cidadãos americanos necessitam de visto para entrarem no País. É a lei da reciprocidade, senhora. Já que nós precisamos do seu visto para entrar lá, vocês também precisam do nosso para vir cá.

- Mas eu tenho passaporte brasileiro! Entrei na imigração como brasileira! - Neste momento, a esnobação começa a dar lugar à razão. A moça se reapresenta como made in brazil. Aparece o passaporte correto. Desperta, enfim, a incauta transeunte.

- Ah... Então a senhora é brasileira... Muito bem... Seja bem vinda!

Aqui na Alfândega não fazemos distinção de países, nacionalidades. Nenhum passaporte é privilegiado ou abre mais portas o que o outro. Mas se não for o brasileiro, pode ser que seja necessário o visto... Senão não entra mesmo.