segunda-feira, 2 de março de 2009

O dia em que a Esteira Parou [ ou: Um Cínico de Ocasião ]



[foto: Scanner de raios X, caso você nunca tenha visto um]


A tarefa de abrir malas alheias, acredito, encontra-se entre as mais desagradáveis do planeta, só perdendo, talvez, para a inspeção pessoal [revista], passar camisas de linho e ouvir Jorge e Matheus. Pois bem, é para evitar ao máximo o primeiro dissabor aqui relacionado que nós, da Alfândega, dispomos de um aparelho de raios X - que nos dá uma ideia do que há nas malas, muitas vezes dispensando a necessidade de abri-las. Imagino que, para o último tipo de dissabor relacionado anteriormente, o pessoal da pista possui um tapa-ouvidos, para a óbvia hipótese de alguém estar tocando música sertaneja no toca-fitas do avião.

Infelizmente, nem toda a tecnologia do mundo é à prova de mau funcionamento. Pois no dia em que a esteira de raios-X parou, acabamos por ter de recorrer a outras técnicas, antes do desconforto de ter que abrir todas as bagagens. Assim, como bons samaritanos, passamos ao inocente exercício de perguntar, a cada passageiro, o que trazia. E é aí que a coisa começou a complicar.

- O senhor está trazendo algum alimento?
- Não, só chocolates.
- Traz algum equipamento eletrônico?
- Não.

Nesse momento, para nossa sorte [ou azar, dependendo do referencial] a esteira de raios-X volta a funcionar. Como o passageiro já estava na fila, nada mais justo do que fazer sua bagagem passar pelo aparelho. E eis que descobrimos, na sua bagagem, alimentos e equipamentos eletrônicos. Todos de última geração, inclusive os alimentos.

- Mas o senhor não havia dito que não tinha equipamentos eletrônicos em sua bagagem?
- Veja bem. [nota do editor: "veja bem", como bem sabemos, é uma expressão comumente utilizada para desdizer o que foi dito.] Eu disse a você que não trouxe nenhum equipamento eletrônico que tenha levado daqui.
- O senhor não disse isso. Disse apenas que não havia trazido nada.
- Eu disse sim.

Vocês sabem o que os mentirosos e os carecas têm em comum? Ambos detestam ser chamados assim. Dessa maneira, pensei em não continuar a conversa. Afinal de contas, os equipamentos já haviam sido descobertos, tudo o que tinha a fazer era cobrar o imposto. Mas o homem insistia.

- Qual a minha punição pelo que fiz?
- O senhor arderá no fogo do inferno - brinquei.
- Mas eu disse a você que não trazia equipamentos que saíram do Brasil.
- Senhor, acho melhor não insistir nisso. Os equipamentos já estão aí, vou cobrar-lhe o imposto e mandá-lo embora. Veja, seus filhos estão aí. Se o senhor não se constrange em sustentar uma mentira diante de mim, tente pelo menos dar um bom exemplo a eles.

E assim vai, mais um senhor de meia-idade, aparentemente gente boa, como tantos que já passaram por aqui. Mas é sempre bom atentar para uma regra básica, antes de querer confiar em todos. Se a ocasião faz o ladrão, também faz o cínico - Tudo vale na hora de esconder a muamba.

Um comentário :

Lygia disse...

Olá Joeldo...

Relendo seus escritos, o que já se tornou um delicioso hábito, me deparei com esse texto. Consta como postado em março mas não entendo como posso não ter visto na época, já que desde o início do blog o visito diariamente. Pelo visto não só eu não o tinha lido pois não existe nenhum comentário feito e seus leitores são sempre fiéis. Independente disso, mais uma delicia de texto. Realmente os mentirosos se encolerizam quando chamados assim, mas quem nunca contou uma mentirinha, qua atire a primeira pedra... srsrs Principalmente se for para salvar os bolsos não é? E no Brasil, quando se trata de impostos ou de qualquer coisa pública, temos maravilhosos exemplos vindos dos altos escalões do governo.
Sorte que ainda existem funcionários competentes e honestos que fazem cumprir a lei e valer a verdade.
Parabéns!
Beijo
Lygia