quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A Última Passageira

Aeroporto Internacional do Fim do Mundo. [estavam com saudade desse cenário?] Quatro da manhã. Já não se ouvia mais o burburinho de pessoas no Free Shop, gente que até há alguns minutos atrás, trançava pelos corredores como abelhas em uma inflorescência, buscando a sua cota, doce e limitada, de mel.

O fiscal já havia se recolhido e estávamos apenas eu e o operador de raio X, desenvolvendo nossas atividades de fim de vôo.

O silêncio seria total, não fosse a ofegante presença da Última Passageira. Essa personagem é singular. Roupas bem coloridas, decotadas, transparências em lugares estratégicos. Perfume que, acrescido das horas de viagem, ganhou uma medida exata de suavidade. Malas evidentemente abarrotadas. Isso inclui a bagagem natural que as mulheres trazem junto ao corpo, desenhando-o em linhas de ação e reação.

Tudo isso, e eu às voltas com um maldito de um notebook. Sem nota fiscal, sem nota de saída. Nem mesmo uma boa desculpa. E a mulher na minha frente, esbravejando, chorando. E eu tendo que reter. Algumas centenas de reais de imposto, mais ou menos. E a "coitada" não tinha como pagar. [Também pudera, gastou tudo na viagem].

Enquanto eu calculava [ou, pelo menos, tentava calcular] os valores devidos, a mulher não parava de falar. Aquilo me irritava profundamente, mas a minha postura e atitude profissionais sempre falavam mais alto. Respondia a todos os questionamentos dela com polidez e educação. Meu relativo cansaço não me afetava o desempenho - apenas e tão somente a desatenção que aquela mulher gerava em mim.

Naquele momento, ela acha um documento - uma nota de compra - em um valor aceitável, que não superaria a cota. Conferi a nota, o número de série, tudo. Estava tudo OK. O imposto não era mais devido, pois havia sido baseado em uma estimativa, e não no valor real do bem. Ela estava liberada.

Não foi preciso mais que uma fração de segundo apenas. A mulher arregalou todo o verde-perolado dos olhos, em uma felicidade apenas comparável a de um ganhador da Mega Sena. Ao ser comunicada de sua liberação, ela deu um grito - que ecoou retumbante, no salão já praticamente vazio - e um pulo. Aí fez algo completamente inesperado.

- Preciso lhe agradecer de alguma forma!

Assim dizendo, pulou a bancada. Senti o impacto de seus pés no chão, pois tinha um corpo de formas, por assim dizer, pronunciadas. Um passo e meio adiante e ela me prendia nos braços, apertando-me contra si. Tentava me beijar. Foi quando o operador, espirituosamente, interveio:

- Minha senhora, vá com calma que o moço é vegetariano.

Não deu outra. Caímos na gargalhada os três. Dando-se conta do que fazia, a moça largou-me, pedindo desculpas. O perfume dela estava todo em mim. Eu estava trêmulo. O operador estava vermelho de tanto rir. A moça idem, mas de vergonha.

Despedimo-nos, entre risos, desculpas e amenidades. A nós que trabalhamos, convém deixar a libido em casa. Todavia, humanos somos, e essa nossa componente essencial de humanidade é tão eficaz para gerar situações esdrúxulas, quanto incapaz de lidar com elas, quando surgem.

Ainda bem que havia uma muda de camisa na mala que trago para o alojamento - Afinal, ia dar mesmo um trabalhão para remover todo aquele batom que ficou impregnado na gola.

12 comentários :

Fred Matos disse...

vegetariano?
(risos).
Abração, Joeldo.

Lygia disse...

Assim como me transportei para o terraço da Alfândega naquele amanhecer, me peguei presenciando essa cena. Confesso que dei boas gargalhadas. Agradecimento???? Vc é mesmo iressistível garoto!
kkkkkkkkkkkk

beijos querido

Unknown disse...

Olá Poeta, Poetinha, camarada.

Não tive tempo para ler o texto, mas farei logo, logo. Só passei pra dizer:

- Se cambia de año… Se cambia de sueños… Se cambia de objetivos… Se cambia de aspecto…
PERO JAMÁS CAMBIEMOS DE AMIGOS

¡Te deseo un óptimo día! besos
Li

Unknown disse...

Agora sim, texto lido!
Maravilhoso, mas esse fiscal vegetariano foi ótimo.
No mínimo a última passageira era loira, kkk. Ou de cabelos mutantes.
Pobrezinho do fiscal, como justificar um batom, um perfume ou até mesmo cabelos molhados? rsrsrs
Hum Hum, Adorei

Felino da Madrugada disse...

Que fiscal de sorte!
Tadinho,que sacrifício...
Já decidi,quando eu crescer,
quero ser fiscal do Alfândega,
não serei vegetariano,hehehe
beijão Paizão !
Michei Amorym

joeldo disse...

Pessoal,
Convém ser vegetariano naquele ambiente.
Afinal, temos de ter cuidado com a Vaca Louca e outras doenças piores.
O Ministério da Agricultura que o diga.
Beijão.

Luiza Helena disse...

Há, há, há, fiquei sem fôlego de tanto rir!
Adorei!
Adoro ler, ver e ouvir suas estórias.
Beijos,

Márcia Moraes disse...

Como você mesmo me dizia "Onde se ganha o pão não se come a carne"...rsrs, mas chegar a ser Vegetariano foi o Máximo...kkk

Saudades

Bjus

Fabi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Poeta poetinha

Você esqueceu da patologia daquelas aves poedeiras, kkkkkkkkkkkk.
Ler seus textos se tornou um desafio para minha mente que cursou Letras, lá em 1983... e adora escrever, pena que não dou mais atenção a essa veia.
Com amore
Parabéns.

Angelica Amorim disse...

O Fiscal é um homem de muita sorte...,mas tb trabalhar nesta
Alfândega,deve ter seus desafios..
Imagine se a "D.GiGI" pulasse em seu pescoçokkkkkkkkkkkkkkk
viraria vegetariano para sempre
Beijaaaaaao

Angelica Amorim disse...

Ah,D.Gigi é título de música
bjs,papito