quarta-feira, 29 de abril de 2009

Senhor não, Excelência!



Tinha uns vinte e dois anos, o rapaz. Parecia, e era, de fato, um bom moço. Mas como a ocasião faz o ladrão, e a necessidade o néscio, lá estava ele na Alfândega do Fim do Mundo. Ele e uma guitarra Fender, lindamente sonora, impecável de um brilho que lembrava um solo do Brian May. Pois bem, insistia em dizer o moço que era uma guitarra nacional, que comprou na loja de música da esquina. Aquela velha conversa à qual estamos todos acostumados. Emerson era nosso herói de plantão:

- Mas senhor, essa guitarra terá de ser tributada. Não há nenhum indício que comprove que você, de fato, não a trouxe dos Estados Unidos.

Emerson que, além de fiscal, é tocador em banda de jazz, sabia muito bem do que estava falando. Equipamento passível de tributação tem que deixar, ao passar pela aduana, um DARF devidamente pago e autenticado.

É isso ou o equipamento fica. É o processo.

E Emerson conscienciosamente analisa toda a documentação do jovem passageiro, quando, de súbito, é interpelado por um senhor, esse bem mais velho e menos compreensivo:

- Você aí. Você não tem autoridade nenhuma para olhar a documentação do meu filho.

- Senhor, estamos apenas fazendo uma verificação de rotina.

Emerson não se alterou. Experiente, já está acostumado com as asneiras que os passageiros proferem. A técnica, que vim a aprender posteriormente, é de deixá-los falarem até se cansar, para então podermos agir. Mas este passageiro era diferente.

- Senhor não, Excelência! O senhor está falando com um deputado estadual. Deve dar-lhe o devido tratamento. Este menino está portando sua guitarra de uso pessoal, deve deixá-lo passar.

Vendo a arrogância com que se deparou, Emerson tenta acalmar os ânimos. Explica ao deputado que a lei nos obriga a fazer as verificações necessárias. Mas o deputado não se acalma, e põe mais lenha na fogueira.

- Você está de conluio com aquele outro fiscal, para extorquir dinheiro do menino.

Opa, existem asneiras que não podemos deixar passar. Acusações de extorsão são graves e Emerson agiu de acordo, chamando a polícia federal. Assim, foram todos parar na delegacia.

Lá, o nobre deputado foi instado a reafirmar o que havia dito no recinto da alfândega. Porém, diante de policiais armados e de algemas na mão, ninguém confessa um crime assim tão facilmente. E caluniar um servidor público é um crime, não apenas contra o servidor em si, como ao País que ele representa.

- Sabe o que é, é que o fiscal se alterou com meu filho, e fui em sua defesa. Não falei nada de grave contra estes fiscais.

No final da conversa, não adiantaram muito os panos quentes de um deputado já mais calmo pela ação da força. Foi feito um boletim de ocorrências, em que se relatou o fato. O deputado perdeu uma bela chance de ter ficado calado e, por uma bobagem, poderia ter ido parar atrás das grades, ou, no mínimo, nas manchetes dos jornais. Se isso houvesse acontecido, no entanto, seria apenas mais uma, das tantas que o caudilho já aprontou.

12 comentários :

Lygia disse...

Olá querido!!!
Estive todo esse tempo de plantão aqui na Alfândega à sua espera.
Você não imagina a alegria por tê-lo de volta. Como você faz falta! E é claro as histórias da Alfândega sempre recheadas de situações muito sérias, retratadas por vc com tanto humor e talento. Me lembra um velho amigo. rs
Aliás, conte a história para o Emerson e que da próxima vez diga ao nobre Deputado que vai chamar o Dr. Leônio Xanás! Com certeza absoluta nem será preciso a polícia! O assunto se resolverá num piscar de olhos. rsrsrsrsrs
Que bom que você voltou! Espero que não nos abandone mais.

Te amo.

Beijos

Katia Cristina disse...

Sabe Poeta,
Você fez uma falta danada, aliás faz, neste tempo que nos abandonou. Você me ajuda muito com seus textos, não me deixe mais, fico sem direção.
Mas uma vez você nos presenteia com uma crônica mais que real de uma situação, perante as inúmeras no mundo, onde o nosso erro ao votar vem de encontro a nós, e acima de tudo a prepotência que alguns, ou melhor muitos, tem de achar que por ocuparem uma situação politicamente melhor possuem privilegios inexistentes sobre as outras pessoas.
Parabéns. Perdoe os erros de ortografia.
Estava com saudades.
Um beijão.

Katia Cristina

Fabi disse...

Texto maravilhoso...também estava com saudade...

Mas, e a guitarra? Foi tributada ou não? rs

Muitos beijos (L)

Unknown disse...

Finalmente voltou!
E voltou com mais uma pérola dos passageiros da Elite! Já falamos sobre isso e, quem sabe, um dia els aprendam que do pó para o pó, todos somos iguais!
Bom feiriado.

Mari Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Angelica Amorim disse...

Nada como se ter, um Papi poeta!
Pode demorar o tempo que for,
sua poesia está lá...
Meu V.. lindo!rsrs
beijos
Gékila

FILHOS DA PUC disse...

Toc,toc,toc
Oi Jô!
xaudade...
que legal sua volta,
adorei o texto.
bjokas!
Verinha

coisas que vi e vivi disse...

Olá Joeldo!!!
Quanto tempo hein???
Pois estava nos fazendo falta seus textos ,pois neles nos vemos frente á muitas situações que as vezes incorremos em nosso dia a dia, nos utilizando de nossos titulos.
Muito interessante seu texto,e muito útil, para nosso dia a dia, espero quando passar pela alfândega não ser pega em nenhum deslise....rsrsrsr
Abraços
LI

AndersonLeme disse...

Caro Joeldo,

Mais uma vez, nas nossas longas madrugadas, passamos pelo seu blog para nos deleitar com suas histórias muito bem contadas, com aquela pitada de "insanidade alfandegária"...kakakaka...parabéns e obrigado pela cultura que traz aos colegas e também aos terceirizados que tanto batalham conosco e se divertem com as loucuras desse "Fim do Mundo"!
Salve !!

joeldo disse...

Pessoal,
Ainda estou no modo "lerdo", com muita coisa pra resolver e tempo ainda insuficiente tempo pro blog.
Mas aproveitando a deixa do Anderson, respondo em bloco:

Lygia - Obrigado por estar sempre atenta, e não se preocupe, para esses casos indicarei para o Emerson chamar o Leônio Xanás, aquele que resolve tudo... Beijos

Katia - Vou tentar ser mais presente por aqui. Sempre aparecem histórias interessantes, matéria-prima para os textos é o que não falta. Beijos.

Fabiana - Não sei se a guitarra foi tributada ou não, esse detalhe esqueci de perguntar. Beijão (L)

Mari - Obrigado por citar o trecho de Luiz Pienta, como resposta ao meu texto. Beijos

Angélica - Obrigado pelo carinho da sua resposta, beijos

Vera - Tambem estava com saudades das suas visitas aqui, beijão

Li - Basta você observar a legislação ao passar pela Alfândega, que não terá problema nenhum. Abraços.

Anderson - Gostei do "insanidade alfandegária". Acho que a alfândega mexe com as pessoas em geral, faendo-as exibir comportamentos estranhos, como o nobre deputado. Abraços colega !

UN VOYAGEUR SANS PLACE disse...

Seria destino...

Unknown disse...

são interessantes essas historias,gostaria de saber se são todas reais